"Na véspera de não partir nunca Ao menos não há que arrumar malas Nem que fazer planos em papel... Todos os dias é véspera de não partir nunca" Álvaro de Campos
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Outono/Inverno
A editora de moda do Washington Post notou em tom elogioso que o novo visual de Hillary Clinton "é praticamente uma revolução no meio do conservadorismo das mulheres da política". A escritora e publicista americana Dominique Browning, de 55 anos, defendeu no New York Times que, no seu próprio caso, o cabelo comprido "é sem dúvida uma declaração de independência" - e mais de 1200 comentários apareceram na edição online do jornal. Meia América anda a discutir se as mulheres devem ou não usar o cabelo comprido a partir da meia-idade, quando a regra diz que curto é que é decente. E a responsável pela discussão é nada menos que Hillary Clinton.
A secretária de Estado norte-americana, que hoje se reúne com o ministro dos Negócios Estrangeiros Luís Amado, em Lisboa, onde participará nas cimeiras da NATO e da UE-EUA, tem aparecido em público com o cabelo comprido - em rigor, com o cabelo mais comprido do que era habitual nos últimos anos. E o que à partida seria apenas uma opção estética transformou-se de repente num debate ético.
Se o cabelo é um sinal exterior de erotismo, e quanto mais longo mais simbólico, não será que a norma do cabelo curto para as mulheres de 50 ou 60 anos é uma forma de as obrigar a suprimir a sua sexualidade? Mais prosaico ainda: por que razão haveremos de discutir o cabelo de uma responsável política, se se trata acima de tudo de uma escolha íntima?
Isabel Branco, 58 anos, produtora de moda do Portugal Fashion e responsável pelos desfiles de estilistas como Felipe Oliveira Baptista, Ana Salazar ou Luís Buchinho, entende que a ex-senadora "é uma personalidade suficientemente conhecida para criar tendências, mais nos EUA do que na Europa", pelo que o seu novo estilo pode contagiar muitas mulheres da mesma idade. No entanto, Isabel Branco adianta que, se uma mulher da sua idade lhe pedisse opinião, diria que "deve usar o cabelo sempre curto". Com uma ressalva: "Há factores que implicam outra opinião: a cor dos olhos, a estatura da pessoa, o estilo pessoal... Ocorre-me que a Maria Bethânia, por exemplo, sempre usou o cabelo comprido e fica-lhe bem. Há excepções, portanto. Em abstracto, talvez o médio-curto seja o mais adequado, a "altura chique": toca e não toca nos ombros."
Com humor, remata: "Às vezes não é só uma questão de beleza, muitas mulheres cortam o cabelo quando chegam à meia-idade porque querem mudar de vida ou de marido. O simples facto de alterarem o cabelo faz com que passem a ser olhadas."
O último reduto da beleza?
Paulo Vieira, 53 anos, mais de 30 como cabeleireiro, explica que "um rosto maduro fica mais composto com um cabelo mais curto, enquanto o cabelo comprido, ao alongar a linha do rosto, acentua os traços do envelhecimento". Ainda assim, "a ideia de que cada tipo de cara pede um corte específico não é para seguir cegamente". "Já houve clientes minhas de meia-idade que deixaram crescer muito o cabelo e quando apareceram aqui estavam mais bonitas e só tive de fazer um corte que tirasse partido do comprimento."
Rosalina Machado, 70 anos, empresária lisboeta e cliente de Paulo Vieira, usa o cabelo curto e não receia sentenciar: "Acho impensável uma mulher de 50 ou 60 anos usar o cabelo comprido. Eu não o faria." Porém, também abre excepções: "Uma senhora de meia-idade não deve usar rabo-de-cavalo, tal como não deve usar minissaia. É preciso ter o sentido do ridículo e perceber que já não temos 20 anos. Agora, a Beatriz Costa, que toda a vida usou o mesmo corte, acho que ficava muito bem. Era a imagem de marca dela. Mas de uma maneira geral acho que a idade pede menos exuberância, incluindo no cabelo."
Que dizer, então, de Cristina Kirchner, Presidente da Argentina, que aos 57 anos usa longos cabelos castanhos? Ou da pianista argentina Martha Argerich, que aos 69 assume os longos grisalhos? Ou de Susan Sontag, a influente intelectual norte-americana falecida em 2004 cujo cabelo comprido com uma madeixa branca à frente foi a imagem de marca durante anos? Que dizer do cabelo comprido da vice-presidente do PSD Paula Teixeira da Cruz, de 50 anos, ou do da socialite Cinha Jardim, de 53?
Rose Weitz, professora de Sociologia e Estudos de Género na Arizona State University, EUA, explica no livro Rapunzel"s Daughters: What Women"s Hair Tells Us About Women"s Lives (2004) que "quando o resto do corpo está macerado pela idade, o cabelo pode muitas vezes ser o último reduto de beleza" das mulheres. Até porque "as cirurgias estéticas são caras e têm efeitos temporários e as roupas mais bonitas nem sempre servem para camuflar o corpo das mulheres velhas, porque são feitas a pensar em corpos sem ventres protuberantes, sem cinturas largas e sem ombros encurvados". O P2 pediu opinião sobre Hillary Clinton a Rose Weitz, mas a socióloga declinou o convite.
É sabido que o cabelo faz parte de um assunto maior chamado sexualidade e envelhecimento. Robin Givhan, editora de moda do Washington Post (vencedora de um Pulitzer em 2006 pelo trabalho como crítica de moda), não tem dúvidas de que "o cabelo comprido significa juventude, feminilidade e sensualidade". "A pressão cultural para submeter as mulheres à tesoura a partir de certa idade diz-nos nas entrelinhas que aquelas características são consideradas uma contradição em mulheres com rugas", continua.
Rose Weitz escreve, por seu lado, que "a perda de massa muscular, a cintura menos estreita, as rugas e os cabelos brancos são bem aceites em sociedades que valorizam o envelhecimento das mulheres", como em certas partes da Índia, Nova Zelândia ou África do Sul. "Nos EUA, pelo contrário, espera-se que as mulheres mais velhas façam de tudo para esconder os sinais da idade." E não se poderá dizer que na Europa seja diferente.
"Por muito que se discuta este assunto, não seremos capazes de encontrar propriamente tendências no corte e estilo de cabelo, e até na roupa, criados para mulheres de meia-idade, porque alguém se esqueceu de que elas existem", ironiza Isabel Branco. "O envelhecimento parece que é proibido e isso preocupa-me, porque é como se estivéssemos a tentar apagar um facto normal da vida", diz Paulo Vieira, que nota que em Portugal as mulheres portuguesas de meia-idade tendem a usar mais o cabelo médio do que propriamente curto. Já "o grisalho é culturalmente considerado feio, daí que muitas mulheres encurtem o cabelo e o pintem. E muitos homens também".
Para consubstanciar a tese de que idade avançada e feminilidade são culturalmente incompatíveis, a socióloga americana cita um estudo publicado de 2000, The Mirror Has Two Faces, de Elizabeth W. Markson e Carol A. Taylor, segundo o qual, entre 1929 e 1995, o número de mulheres com 60 ou mais anos nomeadas para os Óscares foi praticamente metade do número de homens. "Na maior parte das épocas anteriores à segunda metade do século XX as mulheres que envelheciam deveriam conservar uma imagem de maturidade. As que se esforçavam por parecer mais novas passavam por ocas e vaidosas."
A partir da década de 60, por via da publicidade a produtos para pintar o cabelo, criou-se a ideia de que os cabelos brancos, que o comprimento tanto destaca, são um sinal de desmazelo. Um dos anúncios desses produtos, Loving Care, da marca Clairol, estabelecia o padrão da época, por via da censura: "Há quanto tempo é que o seu marido não a leva a jantar? Talvez os cabelos brancos a façam parecer mais velha do que de facto é."
A regra hoje parece ser a inexistência de regras. E a moda é cada pessoa ter o comprimento de cabelo de que mais gosta. "Os especialistas em moda mandam usar roupas adequadas à idade. Mas numa época em que muitas quarentonas têm corpos mais elegantes e tonificados do que muitas adolescentes, o que é que determina se algo é ou não adequado à idade?", pergunta-se Robin Givhan. A jornalista defende que "o cabelo conta a história da pessoa, uma história pessoalíssima, muito mais pessoal do que a que contam as roupas - o cabelo fala de política, cultura, enquadramento social e religião, mas também de raça, etnia e saúde". Por isso não faz sentido arregimentar os cortes e tamanhos consoante a idade das mulheres, mas sim adaptá-los a cada uma.
Há várias perguntas no cabelo de Hillary Clinton
A secretária de Estado norte-americana deixou crescer o cabelo para lá da linha dos ombros. E a América discute agora por que é que as mulheres de meia-idade não podem usar o corte que lhes apetece. Os especialistas dizem que a regra é não haver regras. Por Bruno Horta
Salomé Coelho não discorda, mas prefere analisar o lado menos óbvio do tema. Para esta psicóloga, de 27 anos, vice-presidente da União de Mulheres Alternativa e Resposta - UMAR, "o facto de se dar uma interpretação estética ao cabelo das mulheres resulta do controlo social que se exerce sobre a beleza feminina". Um controlo que também existe para os homens, reconhece, mas ainda assim questiona: "Por que é que a beleza é tão importante quando se fala da mulher? Porque o valor das mulheres ainda é medido pela aparência física. A beleza delas está sob permanente escrutínio público. Faz-me confusão que o cabelo de Hillary Clinton seja mais do que um assunto de café e mereça discussão nos jornais, porque nas entrelinhas está-se a discutir o comportamento privado dela, senão mesmo a sua competência enquanto responsável política. Se amanhã David Beckham fizer uma nova tatuagem fala-se muito disso, mas ninguém parte daí para interrogar as características dele enquanto homem ou futebolista."
via
http://jornal.publico.pt/noticia/19-11-2010/ha-varias-perguntas-no-cabelo-de-hillary-clinton-ha-varias-perguntas-no-cabelo-de-hillary-clinton-20632602.htm
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