FOTOGRAFIA DE SÃO FRANCISCO
São Francisco és tu e são as
tardes que passávamos
no sofá, sentados ou deitados de todas as formas,
em
todas as direcções. Não guardo ressentimentos
de São Francisco e chegará um
tempo em que,
de novo, seremos capazes de passar um fim-de-semana
entre
chapéus de sol e sol. A Califórnia não é eterna,
mas há um certo tipo de
silêncio que se procura
sempre e que se encontra apenas muito
raramente.
Esse é o teu brilho, São Francisco. Vais ver, teremos
camisas
de flores coloridas e saberemos rir-nos
de tudo. E, contra todas as
expectativas, quando
um de nós estiver a morrer, o outro estará
lá.
FOTOGRAFIA DE ABIDJAN
Abidjan tem cicatrizes
nas ancas.
Cuidadoso, pouso as mãos noutro lado,
seguro Abidjan pela
cintura.
Não porque as cicatrizes sejam dolorosas,
há muito que Abidjan se
habituou a elas,
mas porque me fazem impressão a mim.
As cicatrizes de
Abijan foram-lhe feitas pela avó
com um ferro em brasa, quando era
criança.
Eu e Abijan bebemos garrafas de coca-cola.
Seguramo-las como algo
valioso,
somos senhores por um momento.
Abidjan diz: mostra-me o teu
quarto,
e eu, não sou capaz de resistir.
FOTOGRAFIA DE
MADRID
Madrid regressará sempre. São precisos anos
para
aprender aquilo que apenas acontece com
a distância de anos. É por isso que
posso afirmar
que Madrid regressará sempre. Não sei que tipo
de
entendimento encontrámos. Eu e Madrid não
nos conhecemos bem. Sabemos o
essencial e
inventamos tudo o resto. Tanto a minha vida,
como a vida de
Madrid, já tiveram muitas formas.
No entanto, quando nos encontramos,
somos
sempre o mesmo nome. Avaliamo-nos por
cicatrizes e pequenas marcas
de idade.
Não estabelecemos metas, estamos cansados.
Eu e Madrid só
queremos uma cama, mas,
se não houver, contentamo-nos com o chão e,
se não
houver, contentamo-nos com um abraço.
JOSÉ LUÍS PEIXOTO,
in "Gaveta de Papéis"/ Edições Quasi
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