"Há sempre um lado inútil na arte porque não se traduz imediatamente em valores contabilizáveis em termos económicos. (Bom, há artes cujos objectos são apropriáveis e também transaccionáveis nesses termos como sabemos). Mas isso não é o essencial. Se servir para enriquecer e transformar a vida das pessoas a arte é inestimável e tem um valor incomensurável. Sempre existiu. Precede o capitalismo de muitos milhares, senão milhões, de anos. Mas não é assim que as artes são vistas do ponto de vista dominante hoje. O seu carácter de mercadoria tende a ocupar e desalojar a sua função primordial. Pessoalmente estou muito cansado de ver, primeiro, os artistas portugueses não muito bem tratados - alguns muito mal tratados -, segundo, o trabalho que fazem ser negligenciado ou desqualificado, por vezes, em troca de relações muito desiguais de import/export cultural no quadro global - com este défice ninguém se preocupa muito - e, terceiro, sendo os subsídios estatais o aspecto mais vezes trazido à discussão pública pelos adeptos e arautos do mercado como único critério de avaliação, daí resultarem dois efeitos perversos: 1) uma espécie de desmoralização geral nestas áreas; 2) em alguns casos, face à transformação de algumas áreas em pequenos feudos (reais) com grande capacidade de contestação, haver várias estratégias e maneiras de desfocar o verdadeiro problema, de não encarar a arte no que penso ser a sua verdadeira função e carácter; 3) justamente por haver muitas maneiras de disfarçar o que está em causa, por vezes, os próprios artistas não são capazes de evitar as armadilhas que lhes são lançadas no quadro estrutural que é próprio dos campos de produção cultural: lugares de disputas. Nada disto muda o essencial. Mas o artista é humano. Cito Bernardo Soares: "o santo chora e é humano. Deus está calado"."
António Pinho Vargas
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