O «mundo» dela*
«Do livro (oficial), de autoria de um Bonifácio Qualquer Coisa (ou Qualquer Coisa Bonifácio, não me lembro) por onde eu e a minha geração estudámos Filosofia no antigo 7º ano ficaram-me para sempre duas expressões particularmente profundas. Uma a de que «o mundo é a casa dos rapazes e a casa é o mundo das raparigas»; outra a de que a distracção é própria «das crianças, dos sábios e dos basbaques».
A deputada socialista Inês Medeiros é muito nova e não deve decerto (mas que sei eu?) ter lido o Bonifácio. Mas o longo braço filosófico do lamentável Mestre parece ter, de algum sinuoso modo, alcançado a sua por assim dizer Weltanschauung. Porque a sua casa é, está visto, o seu «mundo». Só que, apesar de recenseada por Lisboa, esse «mundo» é em Paris. E precisa de ir lá todas as semanas para «fazer compras, ver se os filhos fizeram os trabalhos de casa, arrumar a casa, preparar a ementa para a semana». Por isso exige, justificadamente, que o Parlamento lhe pague semanalmente uma viagem de ida e volta a Paris. Na verdade, até deveria exigir viagens diárias porque uma boa «dona de casa» arruma o lar todos os dias, vai às compras todos os dias e verifica se os filhos fazem os deveres todos os dias e não só uma vez por semana. E vá lá que não tem casa na Lua, se não o Parlamento teria que lhe pagar o «Vaivém» espacial todas as semanas (ou todos os dias).
Quando aceitou representar o pindérico papel de deputada, ter-se-á distraído. Ou ninguém lhe disse que a Assembleia da República funcionava em Lisboa e não nos Grands Boulevards e, nesse caso, está perdoada, ou não lhe ocorreu que, parlamentando em Lisboa, não poderia, naturalmente, «arrumar a casa» em Paris e teria que contratar alguma femme de ménage ucraniana ou portuguesa; nem igualmente lhe terá ocorrido que, declamando em S. Bento, lhe seria problemático continuar a «fazer compras» em Paris; e muito menos ver (em Paris) «se os filhos fizeram os trabalhos de casa» e preparar (em Paris) «a ementa para a semana», tudo funções domésticas, como ensina Bonifácio, inalienáveis das «raparigas» (e das «esposas» e «mães»).
Vendo o vídeo da entrevista que, sobre o assunto, deu à Sábado, a deputada parece não ser uma criança e muito menos uma basbaque. Resta a hipótese de a sua distracção ser a própria dos sábios.
Talvez Inês Medeiros seja sábia, talvez não. Sabida, pelo menos, é. Se não veja-se o que diz na mesma entrevista sobre a controvérsia que vai na AR acerca da acusação de que Sócrates terá mentido no Parlamento: «Não sei se mentiu, se não mentiu, mas se mentiu nem acho que seja assim muito grave...»
A tirada não é feliz. Deveria ter dito, como está nos diálogos da peça, que o primeiro-ministro não mentiu e que grave é alguém acusá-lo disso. Também talvez não devesse ter dito tantas vezes «não sei» e «não me lembro» sobre os patrocínios que recebeu da PT e da REN, dos imaginosos e prolíficos autores Rui Pedro Soares & Penedos. É sempre triste ver uma actriz, mesmo secundária, incapaz de decorar um papel.»
* Manuel António Pina, jornalista
Março 2010
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