sábado, 22 de janeiro de 2011

22.01.2011

Reflexão


É chato, mas acontece

Por Miguel Esteves Cardoso


O dia da reflexão é aquele em que ficamos todos a olhar uns para os outros, como se nos víssemos ao espelho, como portugueses

Antes de ser ponderar, reflectir é outras coisas que também se fazem hoje. Flectir é dobrar e reflectir é voltar a dobrar. Nos dicionários antigos (e em muitos dos actuais), a primeira definição de reflectir que aparece é "fazer retroceder, desviando da primitiva direcção".

É essa a grande esperança de cada candidato à Presidência: que muitos eleitores que até aqui se inclinavam para votar num dos adversários, ou em nenhum, mudem de caminho para irem votar nele.

Esses eleitores reflectidos são os mais desejados. Cobiçam-se os mais infiéis e desinteressados, como se estes eleitores estivessem a fingir-se abstencionistas de propósito, para tornarem-se o centro de atenções dos candidatos.É uma das estratégias de engate mais antigas: quanto menos eu te ligar, mais tu hás-de querer ligar-te comigo.

A julgar pelo inquérito no PÚBLICO de ontem, todos os candidatos estão chumbados, a sensação que todos criaram foi de grande vazio e ninguém acredita nem neles nem que possam fazer alguma coisa de jeito.

O nome do dia da reflexão diz tudo. Se fosse a um dia de semana e desse direito a um feriado, ainda se aceitava, com um encolher de ombros, a sugestão paternalista que aproveitássemos parte do dia para reflectir sobre se e como vamos votar.

Assim, a um sábado, dá vontade de rir. A ideia de se fazer um intervalo na propaganda eleitoral é para quê? É com certeza porque as campanhas foram tão eficazes e aliciantes que, se não se suspendessem as artes mágicas de persuasão pública que os candidatos têm usado, nós, francamente, ficávamos com vontade de votar em dois ou três. Éramos lá capazes de escolher só um.

Por outro lado, não nos fica bem a nós, eleitores, queixarmo-nos que as campanhas foram pouco mobilizadoras quando sabemos perfeitamente que, com o estado de espírito com que estamos, com os cornos no ar e os dedos dos pés presos às pantufas, não havia, nunca houve, desde o primeiro dia de campanha, força nenhuma, nem humana nem intergaláctica, que fosse capaz de mobilizar um único dos nossos rabos.

Se éramos imobilizáveis, se fazíamos questão de ser, se só assim é que estávamos bem - e com muito orgulho - com que direito é que nos pomos a protestar que as campanhas foram frouxas e pouco imaginativas? Quem sabe se não houve uma ou outra que até foram fascinantes? Se calhar, houve. Nós é que não temos maneira de saber, porque não estávamos a prestar atenção, porque não estávamos para isso.

A reflexão mais comum no dia de hoje será de alívio: até que enfim que isto acabou. Já falta pouco para voltar tudo à cepa torta, da qual, verdade se diga, até já tínhamos algumas saudades.

via
http://www.publico.pt/Pol%C3%ADtica/e-chato-mas-acontece_1476568

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