"Na véspera de não partir nunca Ao menos não há que arrumar malas Nem que fazer planos em papel... Todos os dias é véspera de não partir nunca" Álvaro de Campos
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
http://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/
Por favor, nunca façam isto: "Um livro emprestado pela Biblioteca de Sheffield, Reino Unido, em Outubro de 1965, foi agora devolvido, 45 anos depois do prazo. O romance ‘Quartermass and the Pit’, de Nigel Kneale, chegou pelo correio, num envelope fechado, sem qualquer pista sobre o remetente." A directora da biblioteca pediu ao leitor que se dê a conhecer, garantindo que não terá de pagar qualquer multa. (fonte, CM).
terça-feira, 28 de setembro de 2010
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http://5dias.net/2010/09/
Anne Frank
Para conhecer alguns, deixo aqui um website que tambem existe em livro.
http://www.andereachterhuizen.nl/?language=en#/eljon/verraad
http://www.andereachterhuizen.nl/?language=en
http://www.andereachterhuizen.nl/index.php?language=en#/marcas/peroxide>
“O exílio compele-nos, estranhamente, a pensar sobre ele” by Edward Said
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http://macaumicau.wordpress.com/
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Vespa Amarela
As vespas são predadoras. Embora os insectos adultos possam alimentar-se de néctar ou pólen, os jovens comem insectos, artrópodes, moscas e até mesmo lagartas. Seus corpos são mais esbeltos e aerodinâmicos para a caça.
Se você se deparar com um ninho desses insectos, ele o ajudará a distinguir as abelhas das vespas. Os ninhos das abelhas são feitos de células de cera empilhadas umas em cima das outras. A maioria das abelhas melíferas constrói suas próprias colméias, mas algumas fazem seus ninhos em cavidades de árvores, edifícios ou buracos na terra. O ninho de uma vespa é formado por um ou mais favos feitos de um tipo de pasta, que tem consistência de papel. A vespa produz essa pasta a partir de fibras mastigadas e misturadas com saliva. As vespas tendem a construir os ninhos em lugares escondidos, afastados, como tetos ou fendas.
As vespas e a maioria das abelhas podem bombear o veneno na pele da pessoa atingida, remover o ferrão e ir embora. O ferrão da abelha melífera, entretanto, é farpado e gruda na pele. Quando ela tenta ir embora, o ferrão não se move. Em vez disso, ele é arrancado do corpo do inseto. Como o ferrão está preso ao sistema digestivo da abelha melífera, ela acaba morrendo.
Para saber mais:
http://ciencia.hsw.uol.com.br/abelhas-e-vespas2.htm
Memória de elefante
"Memória de Elefante é a primeira obra da galardoada carreira literária de António Lobo Antunes; entre os múltiplos prémios recebidos destacam-se: o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, o Prémio Rosalía del Castro do PEN Club Galego, o Prémio de Literatura Europeia do Estado Austríaco, o Prémio União Latina de Escritores e o Prémio Jerusalém.
No presente romance, a personagem principal comunica com a voz grave de débeis ressonâncias a partir da subjectividade mais profunda do seu ser, através de uma prosa poética plena de analogias artísticas insuspeitas e surpreendentes, angustiadas metáforas, alegorias, paradoxos, diálogos opacos e fustigantes monólogos existencialistas, numa ambiguidade dualista plena de incerteza, dirimindo entre a banalidade e o transcendental.
Fugindo do excessivo e exuberante racionalismo matemático, do pragmatismo, da autoridade idealista e positivista, do por vezes presunçoso espiritualismo e do avassalador materialismo, em suma, contra qualquer autoridade, o protagonista apresenta-se num mundo de desorientação, de confusão e de uma crise fertilíssima.
Como processo iniciático e por trás da claridade ofuscante do excessivo racionalismo tradicional, o protagonista lança um grito desesperado de sinceridade no concavo espaço do silêncio, sem arrogância, questionando a realidade sem receber uma resposta convincente, pendendo sem equilíbrio algum e contorcendo-se sobre si mesmo numa corda entre o determinismo e a liberdade, entre a fé e o agnosticismo, entre o absoluto e o relativismo moral.
Exorta o inanimado e o animado, metamorfoseando a existência para a compreender, jogando com a fantasia e a realidade da percepção, formando um puzzle de elementos congruentes e incongruentes. Evoca o caos dentro de uma ordem aparente e uma ordem dentro do caos, expulsando tudo isso através desenlaçado novelo da liberdade.
Psiquiatra de profissão, sendo um fardo por vezes difícil de carregar, a personagem principal apresenta-se como um indivíduo frágil por condição mas duro por necessidade, desterrado à vida de cabeça ajudado por fórceps, exaltado na análise do seu instável projecto de existência face à aparentemente titânica essência do passado. Projecto de existência individual que só encontrou estabilidade no útero materno e que existe no ermo de um mundo em que não entende as leis da sua harmonia e para o qual são inúteis os ecos harmónicos da tradição.
Na sua subsistência, desliga-se melancolicamente de qualquer memória de autoridades geométricas e ressonâncias de leis universais, sendo incapaz de erguer com suas intenções outra jurisdição que o guie em sua dispersão, aceitando uma desordem que o leva à quase perversa aniquilação do seu próprio ser. Desesperançado perante o rosto de uma realidade a que é incapaz de fazer um diagnóstico definitivo, conforma-se com meros e aproximativos juízos, acalmando a dor com leves analgésicos cujo excesso o leva ao atordoamento, sem encontrar um medicamento contundente que a elimine de raiz.
Enfrentando a realidade com uma vontade dilacerantemente individual agredida por um trágico pessimismo, defende sem muita contundência e com eterna e angustiada dúvida o seu fado de sinuosos acontecimentos, entre os quais a sua participação numa guerra; incorporado de uma solidão dissonante, desmoronada como uma estátua da antiguidade e dissimulada dos fedores do passado.
A nossa personagem enfatiza de forma literária a unicidade da sua pessoa e a sua luta pelo significado da lua liberdade, uma liberdade sem bússola, que ao mesmo tempo que o oprime, o converte num ser singular e individual, separado da ordem cósmica, permitindo-lhe ajustar a sua identidade sobre a base do sofrimento e do tormento, comunicando existencialmente com a alteridade.
Liberdade cuja cruz é a responsabilidade pela qual sofre uma angústia e uma ansiedade existencial gerada como mecanismo de defesa perante a construção da sua identidade e do seu destino em harmonia ou dissonância com a liberdade dos demais, e como resposta às ameaças e tensões que sofre no seu sistema de valores.
O nosso protagonista é singular na medida em que actua e se realiza com algum pessimismo na conquista e na imputação dos seus próprios actos. Escolhe o seu caminho sem se deixar levar por modelos universais e objectivos, escolha livre unicamente limitada pelas circunstâncias que o rodeiam, pela implicação com compromissos e responsabilidades sem garantias.
Sem uma predisposição ou predestinação prévia, o protagonista experimenta a responsabilidade das suas acções e a subjectividade da sua existência se reconstrói e configura em si mesmo, sobre a base do tormento, reconhecendo tenuemente a alteridade, e na busca da aparentemente prismática verdade. Alteridade na qual de sujeito se converte em objecto, de onde se reflecte um mundo de incompreensíveis estereótipos humanos, alguns confinados ao psiquiátrico, outros na liberdade de movimentos pela vida, mas todos sem manual de instruções.
O nosso psiquiatra luta pela procura de uma linguagem universal que o faça comunicar com a realidade e com os outros, pela saída do labirinto da sua existência. Sensação e experiência linguística mantida única e exclusivamente com a sua saudosa ex-mulher a quem continua amando e não consegue esquecer, mas paradoxalmente não consegue dizê-lo. Experiência que nem sequer teve com sua mãe, que quase morria depois do seu parto, além de sofrer de uma surdez metafórica ou real que o levou à sua incompreensão.
Como os castigos míticos da condenação a uma eternidade infernal, o nosso protagonista sente-se condenado a uma existência angustiosa e incompreensível, através dos rígidos parâmetros da razão herdada.
Submerso nas águas do dualismo, entre a existência e a essência, entre a racionalidade e suas consequências, entre a credulidade e incredulidade, o nosso protagonista vai vogando sobre a decadência da razão, sem forjar ilusões e tocando o fundo do desencanto da existência, encalhando na dor e na crueldade da realidade sincera que marca o seu destino até... ao nada?"
por Arancha Oña Santiago
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http://www.ala.nletras.com/
Ente Intelectual
Memória de Elefante - as personagens e a pessoa
Mais do que a persistência tenaz e manietante das imagens (o miúdo do circo que rasga listas telefónicas, os pianos que alguém carrega), muito mais do que isso, uma galeria sem fim de personagens reais, positivamente reais, em último recurso porque as ponho em letras.
Uma funcionária a quem, para os devidos efeitos, trataremos por Emily Brontë; o amigo que - tal como eu, médico, meia-idade, recém divorciado, eterno retornado da África onde deixámos os dentes e os tomates a troco de pensões risíveis ou invisíveis - um Sandokan, um verdadeiro Sandokan, mas sem sabre ou tigrezinhos ou Mompracem, nos quais um refúgio, uma garantia que seja; a espera por ti, como um cego espera que lhe enviem olhos pelo correio, escreve Molero; a divisão do sexo frágil em 5 categorias, 5 marcas de cigarros.
Uma mãe que garante, peremptória, a gente não damos conta do recado, sôtor; os agentes de propaganda médica, como cães, ou antes primos afastados dos vendedores de automóveis, de comum verborreia e indumentária; o velho treinador de hóquei que, enternecido, recorda as diatribes do velho pai do velho protagonista, 'fractura craniana', relembra em saudosismo e comoção indiscutíveis; o médico empenhado em investigar meticulosa e responsavelmente os tampos inferiores das secretárias do serviço, onde, dizem-lhe fontes seguras, o KGB por negras e desconhecidas artes conseguiu colocar microfones; Sr. Joaquim, prestimoso e fiel servidor do tiranete que carrega já com dez anos de pó e esquecimento, que jura a mãos juntas, que o sô professor ainda vive, que tudo um isco para a oposição, o nosso professor Oliveira ainda vive, fez-me seu ministro das finanças ontem, bem vê, aqui que ninguém nos ouve, ele come-lhes as papas na cabeça.
Dóri, a adiposa e necessitada sexagenária que fala nas 36 primaveras de cada membro, enquanto afasta os problemas existenciais em casinos, álcool e voluntariosos indivíduos do sexo oposto, qual gesto de mão que empurra debilmente o fumo não desejado de um cigarro próximo e apenas o impele num novo jogo de carambolas e movimentos insinuantes que não findam nunca. Não finda nunca o movimento (perpétuo?) do torvelinho de ressaca, escrevia Brandão, este ponto e esse contraponto dado por um protagonista a que poderemos, sem erro, dar o nome do autor, na senda de um equilíbrio tão desejado como falhado, na fuga precipitada e sem sistema da racionalidade convencional, em paralelo (em coincidência?) com um jogo pessoano entre os binómios sentir/pensar e, sobremaneira, a sinceridade e o fingimento.
Esta personagem, este autor, meia idade, a entrar na curva descendente da vida que, até então, lhe levara uma educação aburguesada no centro da capital, por entre salas de estar de tias e fotografias de coronéis de bigode e porte esbatido e amarelecido, ou a inconstância das relações familiares, nas quais convergem vontades e sentidos extremados que não levam vazão, e que perduram para lá da idade adulta; uma vida que lhe trouxe também, eficiente e amável, o sabor acre de uma guerra que nunca entendeu, de um divórcio com a mulher que ainda ama, seguida da separação das filhas. Uma continuidade angustiante de dias que se somam, firmada em hábitos questionáveis, apoiada na derisão e na ironia em que se afunda, pelo terror compreensível de se confessar frágil, e relançada indefinidamente pela perseguição em ponto morto do desejo antigo de escrever, acompanhado pelo também ele antigo medo (‘Mas se começar a escrever de facto e parir merda que me resta?’). Em suma, um homem numa crise existencial – se bem que recuse, sem dúvida, a designação – movida contra tudo aquilo que de firme, material, positivo, exista.
E, no início e no fim de tudo isto, a presença da memória como escape, como lenitivo, ao contrário de Pessoa que se refugia num passado ficcionado, o protagonista refugia-se na certeza tranquilizante de que, qualquer passado é, em si próprio, uma ficção: uma verdade erguida acima das demais, sem que precise (por isso mesmo?) de sistemas e prateleiras a sustentá-la e onde toda a parafernália de truques, de mecanismos de que se muniu o organismo para sobreviver são destituídos de funcionalidade – onde a própria fingida ferocidade da ironia ou do sarcasmo cedem lugar ao sentimento simples que lhes dá origem. No início e no fim de tudo isto: a memória que terminava em garantir-lhe, contrariando o peso oficial da tabuada, quem sabe se no sótão do sótão, ou na cave da cave, a afirmar que 2 e 2 não são 4.
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Televisão
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Francisco Solano
José Alexandre Ramos
Memória de Elefante: a primeira angústia
A primeira vez que li Memória de Elefante, ainda desconhecendo factos da vida do seu autor, estava longe de perceber que este livro era uma biografia. Revisitado muitos anos depois, e com o que fui aprendendo sobre António Lobo Antunes, sinto-me à vontade para apontar sem qualquer sombra de dúvida este livro como um testemunho autobiográfico de um autor que embora não se estreava na arte de escrever, era estreante entre os autores portugueses publicados no final da década de 70. Os conhecedores da história desta estreia já sabem que o autor foi de férias e quando regressou ficou surpreso pois havia muita agitação à volta do livro, estava a ser um sucesso de vendas.
Não é difícil entender esse sucesso se o enquadrarmos na época (1979). O livro surgiu contra muitos cânones, empregando um discurso pouco usual para o romance instituído, embora já tivessem havido excepções à regra uma década antes com Nuno Bragança ou José Cardoso Pires. E como o próprio Lobo Antunes já disse em entrevistas, todos esperavam as grandes obras literárias que antes não se escreviam por causa da censura, e afinal nada de novo surgira após a instauração da democracia. É natural que, numa época ainda muito confusa de um país acabado de se livrar dos grilhões de uma ditadura de meio século, o barroco metafórico de Memória de Elefante, com bastantes críticas sociais feitas com ironia e caricatura, incluindo o uso de vocabulário tido como obsceno, tivesse despertado a curiosidade de muitos leitores.
Como já referi, trata-se de um livro bastante biográfico - um facto por todos reconhecido, incluindo o próprio autor - onde se torna difícil separar a ficção do realmente vivido (ou confessado em entrevistas pelo escritor). Conta um dia na vida de um psiquiatra desde que começa uma jornada de trabalho até à alvorada do dia seguinte, um homem angustiado por uma variada ordem de factores: a mal explicada separação da sua mulher e duas filhas, a frustração profissional no exercício da psiquiatria no mesmo hospital onde trabalhara o seu pai, a solidão e o desespero, o jogo como fuga à realidade, os fantasmas do passado (guerra e infância), a procura de uma voz para a sua escrita. Ou, em poucas palavras, a terrível procura de si mesmo. Nessa circunstância, o livro vai criando uma tensão à volta das indagações interiores do psiquiatra que se esgota nos dois capítulos finais.
Não é na história que conta que está o valor do livro (facto que só será mais evidente uma década depois), apesar do notório interesse do escritor que era então Lobo Antunes de retratar com uma história condensada em um só dia toda a sua experiência. Está antes nas sementes do seu engenho que se tornará cada vez mais claro depois da catarse feita com este livro e mais dois (Os Cus de Judas e Conhecimento do Inferno): Memória de Elefante usa o discurso na terceira pessoa, mas há fugas para o relato na primeira pessoa, que será a marca do estilo do autor. São essas ainda tímidas fugas para o discurso do eu que ajudam a criar a tensão no livro, em que sentimos que o narrador se mistura com a personagem narrada, ocupando-lhe o lugar, para compreendermos que afinal não é história de um dia da vida de um psiquiatra que se pretende falar, mas o que o próprio tem a dizer de si mesmo, acentuando a falta que lhe faz a presença da mulher de quem se separou, das filhas que só vê aos fins-de-semana, a sua indiferença para com os valores padrão da sociedade e dos colegas do hospital, a sua indisponibilidade psicológica para atender os doentes, a ironia com que observa o comportamento dos outros, e a busca dos afectos ainda que termine o dia numa sala de jogo onde se deixa assediar por uma mulher com o dobro da sua idade, com as mesmas carências e com quem acaba por passar a noite.
Referi ao início o barroco metafórico de que é composto o livro. Existem tantas referências culturais e artísticas quantas as abordagens ao pitoresco quotidiano, recorrendo a um verdadeiro rendilhado metafórico que tanto pode impressionar o leitor menos experiente como enfastiar quem já conheça o melhor da obra de António Lobo Antunes. Na realidade, voltar a ler Memória de Elefante depois de ler as obras mais recentes, é como regredir, onde verificamos a veracidade das declarações do próprio escritor: que é preciso limpar bem o livro de toda a ganga, de toda a sujidade. Ora, não entendendo porém este rendilhado metafórico como lhe chamo como algo negativo do livro (pois sem isso o livro nem sequer poderia existir), já não posso qualificá-lo como uma das melhores produções deste escritor, por haver recurso, direi escusado, a tanta comparação e variada metáfora. Enquadrado no contexto da sua obra, percebe-se que é um dos primeiros livros do escritor António Lobo Antunes muito verde onde se encontram, ligeiramente escondidas, as garantias que o autor amadurecerá.
É a primeira das angústias, falando num todo: a catarse do escritor, os primeiros passos para encontrar a mão e a voz que lhe ditará o estilo sui generis que toda a vida vai obcecadamente procurar, a intenção de contar não histórias mas o interior psicológico e afectivo das pessoas, buscando as palavras para o indizível (segundo a sua noção de que os sentimentos são anteriores às palavras), apanhar a vida toda entre as capas de um livro. Memória de Elefante é, de facto, o início disso tudo.
por José Alexandre Ramos
21.11.2009
Maria Celeste Pereira
Memória de Elefante: releitura
Terminada a leitura do livro “Os Cus de Judas” e ainda um pouco sedenta de ALA, dei de imediato início a uma nova “releitura”.
Desta vez foi “Memória de Elefante” , livro que havia adquirido junto com o anterior apenas pela beleza desta “Edição Comemorativa”.
É que eu também sou apreciadora dos próprios livros como objectos. É evidente que a prioridade vai para o conteúdo. Mas, quando a um bom conteúdo ainda se junta um invólucro atractivo, considero então ter uma jóia nas mãos. Não exagero. É precisamente isso que sinto.
Bom, reler Lobo Antunes sobretudo quando se trata das suas primeiras obras (a primeira, neste caso) julgo poder ser um risco.
Em primeiro lugar porque a impressão que me havia deixado pode ser completamente destruída ou não tivessem passado quase trinta anos por mim e muitos livros lidos. Depois porque julgo que um autor que se mantém activo durante tanto tempo tem, necessariamente, que evoluir (resta saber em que sentido). E, por fim, juntas as condições anteriores, essa leitura pode levar-nos a uma desilusão…
Afinal nada disso aconteceu comigo. A verdade é que não sou possuidora de uma memória tão elefantina assim e, uma boa parte das deambulações, das considerações, das reflexões, das lembranças a que o personagem foi sujeito naquele dia ou dia e meio, já se me tinham apagado da mente.
Lembrava-me sim do fio do enredo; um psiquiatra que, em pleno pico de uma crise existencial (se isso existe, um pico…), faz um périplo pelas suas lembranças, sofrimentos, momentos de vida desde a infância até às suas experiências na guerra que nos vão revelando o personagem.
Devo dizer que me deu um prazer grande a sua leitura dado que, como já referi, havia esquecido os belíssimos momentos de prosa, por vezes simples e com linguagem do quotidiano (grosseira até), outras vezes num registo quase poético, com que o autor nos brinda. É precisamente o tipo de prosa, mais do que o enredo que, no meu ponto de vista, valoriza o livro.
Livro que julgo de pendor francamente auto-biográfico, tal como julgo também ser “Os Cus de Judas”, leva-nos pela mão ao âmago do personagem. É certo que ainda não da forma extraordinária que virá a fazê-lo nos seus livros mais recentes, muito mais burilada, mas dando já mostras inequívocas de um estilo muito próprio que virá a caracterizá-lo.
Enfim, de algum modo e passe o atrevimento da afirmação, senti-me espectadora atenta do despontar, se bem que em força já, de um génio da escrita.
por Maria Celeste Pereira
http://www.donagataempontodecruz.com/
Primeiros abalos
"Aos 37 anos, António Lobo Antunes publicou o seu primeiro romance e deixou clara a sua intenção de renovar a maneira de contar. Memória de Elefante é uma indagação à alma humana.
O estilo não é um dom, mas sim fruto de muitíssimas horas de trabalho, de escrever constantemente, de emendar e cortar páginas, de não encontrar nunca satisfação. E, não obstante, há que chegar à máxima exigência e precisão, até que seja a mão quem escreva - a mão -, não a vontade. Lobo Antunes tem insistido, mais que uma vez, em que escrever é deixar que a mão busque as palavras: "Os livros já estão escritos, e tu apenas os descobres porque estendes a mão". Surpreende tanta humildade, tanta cuidadosa paciência. Não há nesta opinião qualquer vaidade sobre a qualidade do escritor, nem auréola de distinção de uma tarefa que se reduz a imenso trabalho. E isto disse um escritor que, na última década, tem vindo a publicar romances perturbadores, no limite do prodígio verbal, carregados de emoção e calamidade, que imprimem o processo de desconstrução da memória, revelam as maranhas dos sentimentos e nos hipnotizam com a expressão do indizível. Porém se os últimos livros do escritor português, empenhado em alargar ao limite o território do romance, subvertem o rito conciliador da leitura, na sua primeira obra já se aprecia o embrião do que viria a ser o seu estilo, a forma rebelde do seu talento, o seu fastio perante a convenção narrativa e, pode dizer-se, o pesar de ter que se dobrar numa composição de índole autobiográfica. Publicado em 1979, quando contava com 37 anos - Lobo Antunes poupou-se antes de aparecer em público -, Memória de Elefante anuncia um escritor perplexo, cuja introspecção da sua própria crise matrimonial se transforma na matéria efervescente e delirante de um homem cuja única garantia de estar vivo é a omissão do seu nome na página de necrologia dos jornais e que deve sobrepor-se, contra todos os prognósticos, à "vontade de se vomitar a si mesmo".
O protagonista é um psiquiatra na agonia da mudança, que não sabe que vai ser de si, em que se vai converter, depois de ter decidido separar-se da mulher que ama. Perdido em Lisboa, que se configura como uma cidade de estímulos tão mórbidos como inúteis, rival de si mesmo ("detestava cada vez mais emocionar-se"), ressentido contra a sua profissão ("o psiquiatra assemelha-se aos vendedores de automóveis na sua loquacidade demasiado delicada e bem vestida") e raivoso contra todos ("que se defendiam melhor do polvo gelatinoso da depressão"), assistimos à emergência dos atributos mais inextrincáveis do ser humano, aos impulsos mais desesperados e à suspicácia existencial de que não há saída, de que "é realmente muito fodido ser homem, não é?". Contada por uma voz só aparentemente externa, já que surge das entranhas da personagem, a narrativa desenvolve-se à maneira de uma confissão mortificante que, ao pôr-se por escrito, permite suportar a angústia de uma solidão aborrecida e desejada, único lugar de onde se reconhece e mitiga, paradoxalmente, a angústia da autodestruição.
Assim o tormento do psiquiatra, causa da sua depressão, não radica na sua crise conjugal, nem na sua beligerância contra o homem comum, mas tem origem na sua vocação radical pela escrita, uma paixão que antecipa o fracasso ao comprovar que "os romances e poemas que perpetrava sem escrever formavam como que uma prolongação narcisista sem conexão com a vida, arquitectura oca de palavras, desenho de frases vazias de emoção". Contra essa separação entre escrita e vida se estenderá depois toda a obra posterior de Lobo Antunes. Mas em Memória de Elefante essa ruptura, como o divórcio dolorosamente assumido do psiquiatra, está bem apetrechada de belas imagens, metáforas engenhosas e piruetas verbais - tudo temperado, ainda, com nutridas menções culturais - , que se acumulam para decorar o texto de "efeitos literários" e povoar a narrativa com um barroquismo falseado. Não obstante, incluindo esses mimetismos e excessos, o romance alcança um nível e intensidade admiráveis, e se impõe com tal convicção na análise da alma humana que invejariam Camus ou Dostoievsky. Primeiro abalo de uma novelística excepcional, poder-se-ia dizer sem presunção que aqui está já Lobo Antunes por inteiro."
por Francisco Solano
Gregório Dantas
Primeiro Pesadelo
Memória de elefante, livro de estréia do consagrado Lobo Antunes, é marco do romance português pós-Revolução dos Cravos.
António Lobo Antunes é um escritor singular. Arredio a modismos, premiações e entrevistas, o autor de Esplendor de Portugal já se mostrou um crítico mordaz não apenas de José Saramago, com quem é constantemente comparado, mas de muitos autores de sua geração: Agustina Bessa-Luís, Virgílio Ferreira e Lídia Jorge são alguns representantes do que Lobo Antunes já chamou de uma literatura menor, chata, interessante apenas à crítica universitária. Tais julgamentos (injustos, é preciso que se diga), além de anedotas com sabor de fofoca, ajudam a compor uma imagem bastante particular, de artista original e algo excêntrico, que não faz concessões ao bom gosto e a literatices. Imagem confirmada por sua literatura, que já foi chamada de anti-acadêmica e barroca, e escapa aos padrões mais correntes de definição. Não à toa, seu Não entres tão depressa nessa noite escura (2000) recebeu, um pouco provocativamente, o subtítulo de "poema".
Médico "por acaso" (leia-se: conveniência familiar), Lobo Antunes pôde se dedicar exclusivamente à literatura após o sucesso de seu primeiro livro, Memória de elefante (1979). Trata-se, de fato, de um marco no romance português pós-Revolução dos Cravos. Após a revolução, em 1974, seguiram-se alguns anos de silêncio criativo, e os esperados títulos que se julgava estarem escondidos no fundo das gavetas, aguardado o fim da ditadura para se revelarem, custaram um pouco a sair. Talvez de início favorecido por certa avidez por novos títulos, o romance de Lobo Antunes foi um sucesso de crítica e público, junto ao hoje pouco comentado O que diz Molero (1977), de Dinis Machado. A estes se seguiram os próprios livros de Lobo Antunes Os cus de Judas (1979) e Conhecimento do inferno (1980), além de Levantado do chão (1980), de José Saramago, O dia dos prodígios (1980), de Lídia Jorge, e um sem-número de títulos de qualidade, responsáveis por aquilo que muitos chamaram de boom do romance português. Além dos estreantes, mantinham uma produção intensa autores como José Cardoso Pires, Fernando Namora, Maria Velho da Costa, Almeida Faria e Augusto Abelaira. Tratava-se, convenhamos, de um time nada desprezível de ficcionistas.
Hoje em dia, Memória de elefante não parece agradar ao seu autor. Lobo Antunes o julga um livro de principiante, charmoso em seus defeitos, cujo mérito seria guardar alguns dos procedimentos desenvolvidos em sua obra posterior. Falsa modéstia ou não, é aparentemente comum entre os críticos de sua obra considerar seus primeiros três romances (que, segundo o autor, comporiam um grande romance em três partes, e não uma trilogia) como textos de aprimoramento de sua obra posterior, mais madura. Mas apenas uma leitura comparativa mais detalhada nos daria a real dimensão destas afirmações. De qualquer forma, é preciso deixar bastante claro que romances como Memória de elefante e Os cus de Judas são muito mais do que projetos literários incompletos: são obras de uma força narrativa e uma originalidade de que poucas vezes se aproximou a literatura contemporânea.
Lembranças de guerra
O enredo de Memória de elefante, com forte inspiração autobiográfica, é relativamente simples: acompanhamos a vida de um médico psiquiatra durante 24 horas, no hospital, na rua, em um bar. Após uma dolorosa experiência na guerra colonial em Angola, seu casamento se desfaz e o psiquiatra se encontra em um estado de depressão e autocomiseração que se alterna com ataques irados contra a sociedade portuguesa e as instituições de que faz parte.
Logo nas primeiras páginas delineia-se um personagem rancoroso, envolto numa "revolta que o transcendia": revolta contra o porteiro do hospital, com seu gordo sorriso "a arrebitar os beiços para cima como se fosse voar"; revolta contra a classe dos psiquiatras, estes "etiquetadores pomposos do sofrimento", cuja atividade consiste em recolher dinheiro e exercer a "única forma de maluquice que consiste em vigiar e perseguir a liberdade da loucura alheia"; e revolta contra si mesmo: "puta que pariu a mim", pragueja, depois de maldizer todo o hospital.
A narrativa inicia-se em terceira pessoa, mas é de tal modo contaminada pela voz do protagonista que, por vezes, estabelece-se um único fluxo de pensamento, que discorre sobre pequenas observações do espaço e das pessoas à sua volta, ao mesmo tempo em que é assaltado por esta memória "de elefante", que não pode simplesmente ignorar. Misturam-se lembranças da guerra, de um núcleo familiar desfeito e de uma infância não idealizada: "Quando é que eu me fodi?", pergunta a si mesmo, em busca de um "trauma" primordial na infância que tivesse provocado seu atual estado.
O conflito básico desta personalidade tumultuada está condensado no fragmento abaixo:
Entre a Angola que perdera e a Lisboa que não reganhara o médico sentia-se duplamente órfão, e esta condição de despaisado continuara dolorosamente a prolongar-se porque muita coisa se alterara na sua ausência [...]: no fundo era como se, através dele, se repetisse um Fr. Luís de Sousa de blazer.
No drama de Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, dado como morto na batalha de Alcácer Quibir, retorna à sua casa e encontra sua esposa novamente casada. A vida prosseguiu sem ele, que não se encaixa na nova ordem da família e do país: daí ele se dizer "ninguém". Em sentido semelhante, psiquiatra de Lobo Antunes é um estrangeiro, um estranho em sua própria cidade, em seu trabalho, em sua família.
A comparação revela também um dos procedimentos mais marcantes do romance, o da intertextualidade. Sem forças para racionalizar a crise que enfrenta, o psiquiatra só consegue dar forma a determinadas impressões e sentimentos por meio das referências literárias: em um momento particularmente curioso, ele se compara à gaivota de Anton Tchekhov, aproximando a angústia da referida peça à escrita de F. Scott Fitzgerald. Estão presentes ainda nomes considerados centrais na literatura de Lobo Antunes, como Louis-Ferdinand Celine e Dylan Thomas, além de Cesário Verde, Luís de Camões, e até Charlie Parker e Paul Simon.
E as referências à música popular e a ícones da cultura pop, como John Wayne, não são discriminadas da cultura mais letrada. Da mesma forma, o tom elevado e solene de determinadas reflexões alterna-se com um rebaixamento de tom que pode beirar o escatológico, e expressões de repertório poético substituem palavras do mais baixo calão. Tais contradições compõem não apenas um quadro de oscilações de temperamento, como também a dificuldade em achar um registro que represente sua crise pessoal. Resultam dessas contradições laivos de uma cínica ironia, passível até mesmo de gerar humor, mesmo que amargo.
Mas a característica formal mais marcante de Memória de elefante é o ostensivo uso da linguagem metafórica, da prosopopéia, e da animalização de coisas e pessoas. A cidade é transfigurada metaforicamente, em um procedimento que já foi apontado (equivocadamente) como tributário do realismo mágico latino-americano. Alternam-se muitas metáforas visuais, algo absurdas, fruto de um estado de quase delírio. Assim, os óculos da arquivista do hospital "lhe aumentavam os olhos até às proporções de hirsutos insectos gigantescos cercados de enormes patas de pestanas"; os internos flutuam "na claridade das janelas como viajantes submarinos entre duas águas"; uma estante rotativa é um "pinheiro de metal adubado por um estrume de jornais de direita empilhados no chão"; e, na rua, os carros se movimentam lânguidos, "à maneira de grandes gatos ávidos, tripulados por senhores que envelheciam como as violetas murcham, numa doçura magoada". O resultado é de pesadelo.
O mundo do qual se está alheio se transforma, monstruosamente. Encadeiam-se idéias, imagens, em associações regidas pelo ritmo da memória, e que deixam entrever a angústia de não conseguir se comunicar, a assumida incapacidade em abandonar seu estado de isolamento interior, o adiamento constante de um novo início (que ainda é possível):
O psiquiatra desejou com desespero um esperanto que abolisse as distâncias exteriores e interiores que separam as pessoas, aparelho verbal capaz de abrir janelas de manhã nas fundas noites de cada criatura como certos poemas de Ezra Pound nos mostram de súbito os sótãos de nós mesmos num maravilhamento de revelação: a certeza de ter topado um companheiro de viagem em banco à primeira vista vazio e a alegria da partilha inesperada.
Talvez a saída seja mesmo escrever, apesar de tudo: não por acaso, no romance seguinte, Os cus de Judas, o protagonista assume a narrativa, em primeira pessoa. E foi assim com o próprio Lobo Antunes, que consolidou uma vasta produção literária, uma das mais originais dos últimos 30 anos.
Sobre o autor
Antonio Lobo Antunes nasceu em Lisboa, em 1942. É psiquiatra e escritor, autor de cerca de 15 livros, entre eles Os cus de Judas, Boa tarde às coisas aqui de baixo e Esplendor de Portugal. Lutou em Angola, na Guerra Colonial Portuguesa, entre os anos de 1970 e 1973, fato que marcou profundamente a sua obra.
por Gregório Dantas
Maristela Guedes
Referências visuais em Memória de Elefante
Trabalho realizado por Maristela Guedes, artista plástica brasileira e formada em Letras, sobre as referências em Memória de Elefante a obras de arte. O trabalho contém informação sobre o autor e/ou pintura citada, com a devida passagem do livro que refere a obra e/ou pintor citados (da edição brasileira Objectiva, 2006).
Milu
“Memória de Elefante” é o primeiro romance da autoria de António Lobo Antunes, uma obra autobiográfica se avaliada à luz de acontecimentos que tiveram lugar na vida do escritor, os quais constam da sua biografia. A principal personagem desta narrativa é o próprio narrador, médico psiquiatra que após a separação da sua mulher e filhas, mergulha num estado depressivo profundo, chafurdando incessantemente e sem piedade nos recônditos da sua consciência, arrancando à memória tristezas do passado, remoendo-as incansavelmente, numa espiral de tortura, espicaçando a alma até fazer sangue. Incapaz de resolver as suas angústias, vive o tormento de ter de si uma imagem distorcida, sente-se um homem acabado, melhor ainda, um merdoso de merda, julgando-se indigno da sua própria mulher. Provavelmente terá sido a sua instabilidade emocional, que o levou a afastar-se da família numa errante procura de si mesmo, encetando uma caminhada que o arrastaria ao fundo de um negro e solitário poço. Evoca, exaustivamente, recordações de um passado que teimam em permanecer vivas e dolorosas, marcado pelo abominável de uma guerra, luta por exorcizar as imagens que se lhe impuseram aos olhos de forma tão desumana. No meio deste turbilhão emocional, que descamba num mar de reflexões, sobressai a admirável mestria com que o médico perscruta os meandros da mente humana. A linguagem obtusa que aqui e ali pontua o discurso serve, tão-só, para derramar um mar de raiva contida, que deveria ter sido expulsa em seu devido tempo. Termino esta minha dissertação, confessando que, durante a leitura deste livro tive momentos em que me ri e, livro que me faça rir, é um livro abençoado!
por Milu
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domingo, 26 de setembro de 2010
Jazz Festival
Recorded at the Edinburgh Jazz Festival on 01/08/10
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AS ÁGUAS CLARAS: O SUSTENTO DA VIDA CRIATIVA
"Tudo à noite é diferente. Por isso, para entender esta história precisamos mergulhar numa consciência nocturna, um estado no qual percebemos com maior rapidezcada estalido ou ruído. É à noite que ficamos mais próximos de nós mesmos, mais próximos de ideias e sentimentos essenciais que não são tão registrados durante o dia.
A noite é o mundo de Mãe Nyx, a mulher que criou o mundo. Ela é a Velha Mãe dos Dias, uma das megeras da vida e da morte. Quando é noite num conto de fadas, sabemos que estamos no inconsciente. São João da Cruz chamou-a de "noite escura da alma". Nessa história ela é um período em que um homem muito velho vai enfraquecendo cada vez mais. É uma hora na qual estamos nas últimas, em algum sentido importante.
Perder o rumo significa perder a energia. A tentativa absolutamente equivocada quando perdemos o rumo é a de correr para arrumar tudo de novo. correr não é o que devemos fazer. Como vemos na História, sentar e balançar é o que devemos fazer. A paciência, a paz e o balanço renovam as ideias. Só o acto de entreter uma ideia e a paciência para embalá-lasão o que algumas mulheres poderiam chamar de grande prazer. A Mulher Selvagem o considera uma necessidade.
Isso é algo que os lobos conhecem inteiramente. Quando um intruso aparece, os lobos podem rosnar, latir ou até mesmo mordê-lo, mas eles também podem, a uma boa distância, recuar para o interior do grupo, sentando-se todos juntos como uma família faria. as costelas se enchem e se esvaziam, sobem e descem. Eles vão tomando rumo. estão se reposicionando, voltando ao centro de si mesmos, e resolvendo o que é importante e o que fazer em seguida. Estão decidindo que "não vão fazer nada agora mesmo, que só vão ficar ali sentados, respirando, embalando-se juntos".
Ora, quando as ideias não estão funcionando bem, ou quando nós não as estamos trabalhando bem, perdemos nosso rumo. Isso faz parte de um ciclo natural e ocorre porque a ideia ficou ultrapassada, ou porque nós perdemos a capacidade de vê-la por um ângulo novo. Nós mesmas ficamos velhas e desconjuntadas como o velho em " Três cabelos de ouro". embora haja muitas teorias sobre "bloqueios", criativos, a verdade é que bloqueios brandos vêm e voltam como as condições atmosféricas e como as estações do ano - com as excepções dos bloqueios psicológicos de que falamos anteriormente, como não mergulhar na própria verdade, como o medo de regeição, o medo de dizer o que se sabe, a preocupação com a própria competência, a poluição da correnteza básica, entre outros.
Essa história é tão admirável por delinear todo o ciclo de uma edeia, a ínfima luz que lhe é concedida, que é obviamente a própria ideia, o facto de ela se cansar e praticamente se extinguir, tudo como parte do seu ciclo natural. Nos contos de fadas, quando acontece algo de mau, isso significa que algo de novo precisa ser tentado, uma nova energia precisa ser aplicada, uma força mágica, de cura e ajuda precisa ser consultada.
Aqui mais uma vez vemos a velha La Que Sabé, a mulher de dois milhões de anos. Ela é "aquela que sabe". Ser mantida diante do seu fogo é algo revigorante, reparador. é para esse fogo e para os braços dela que o velho se arrasta, pois sem eles ele morreria.
O velho está cansado de passar tepo demais dedicado ao trabalho que lhe demos. Vocês alguma vez viram alguma mulher trabalhar como se o diabo estivesse agarrado no seu dedão do pé, só para de repente entrar em colapso e não dar mais um passo sequer? Você alguma vez viu uma mulher totalmente dedicada a uma questão social que um belo dia virou as costas e mandou tudo para o inferno? É o que seu animus está esgotado. Ele precisa ser embalado por La Que Sabé. A mulher cujas ideias e energias feneceram, precisa saber o caminho até a velha curandera e precisa levar o animus exausto até lá para que ele se recupere.
Trabalho com muitas mulhereas que são activistas sociais, são profundamente engajadas nas questão sociais. Não resta a menor dúvida a esse respeito: quando chega o ponto estremo do seu ciclo, elas ficam exaustas e se arrastam pela floresta afora, com as pernas rangendo e a chama tremeluzindo, pronta para se apagar. É nessa hora que elas dizem: "Para mim, chega. Vou embora. Vou devolver a minha credencial da imprensa, meu distintivo, meu macacão, meu..." nãi importa o que seja. Elas querem emigrar para Auckand. Elas vão ver televisão comendo biscoitinhos de soja e nunca mais olhar pela janela para o mundo lá fora. Elas vão comprar sapatos baratos, vão se mudar para um bairro onde nunca aconteça nada, vão fazer compras por telefone pelo resto de suas vidas. De agora em diante, elas vão se preocupar com sua própria vida, afastar os olhos.... e assim vai.
Qualquer que seja sua ideia de uma trégua, muito embora elas estejam falando com um cansaço e uma frustração humilhantes, eu sempre digo que é uma boa ideia, que chegou a hora de descansar. Ao ouvir issoelas geralmente berram, "Descansar! Como posso descansar quando o mundo inteiro está se destruindo diante dos meus olhos?"
No final, porém, a mulher precisa descansar agora, ser embalada, recuperar seu rumo. Ela precisa rejuvenescer, recuperar sua energia. Ela acha que não pode fazer isso , mas pode sim, pois o círculo de mulheres, sejam elas mães, alunas, artistas ou activistas, sempre se dispõe a suprir a falta das que saem de licença. A mulher criativa precisa de descanso agora para voltar ao seu trabalho intenso mais tarde. Ela precisa ir visitar a velha na floresta, a revitalizadora, a Mulher Selvagem numa das suas muitas apresentações. A Mulher Selvagem já espera que o animus fique exausto com certa regularidade. Ela não se espanta quando ele lhe cai porta adentro. Ela está pronta. Ela não virá correndo até nós em pânico. Ela simplesmente nos apanha e nos segura até que recuperemos nossas forças."
in " Mulhere Que Correm Com Os Lobos pág.411- 413
Clarissa Pinkola Estés
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No "Público" de 26 de Setembro de 2010.
Reparar, renovar, portanto...
Numa época em que o fenómeno urbano - ou melhor dizendo, suburbano -alastrou de tal modo que passou a conter o grosso da população portuguesa, acabaram por se diluir perigosamente as referências ao que era outrora entendido como a cidade: um núcleo urbano em articulação com um mundo rural bem mais vasto. Ora, os testemunhos do passado dão Memória e Identidade a qualquer cidade, distinguindo-a das demais, mesmo quando esta cidade está inserida num território caracterizado por um indistinto contínuo urbano. Assim, quanto mais indistinta for uma cidade face ao seu território envolvente, mais o seu Património tangível e intangível - materializado geralmente no seu núcleo antigo - assume importância como elemento identitário de diferenciação.
Para promover a Memória e a Identidade da cidade, valorizando esta Herança que é o seu casco antigo, é necessário:
Reabilitar, isto é, voltar a dar utilidade ao que está sem uso, degradado ou abandonado.
Requalificar, isto é, voltar a dar qualidade de vida às pessoas que ali vivem e melhorar a face da cidade.
Porém, não é suficiente Reabilitar e Requalificar. Também é, sobretudo, necessário restaurar de forma integrada, isto é, re-instaurar a vida urbana que outrora teve esse legado.
Todos sabemos quantos projectos recentes de reabilitação urbana cheios de boas intenções resultaram em falhanços, por vezes considerados incompreensíveis pelos habitantes e até pelos próprios projectistas e seus pares. Como organismo vivo que é, qualquer núcleo histórico necessita de uma nova vivência e novas funções, adaptadas à orgânica do sítio. O mero restauro dos edifícios, mesmo quando acompanhado de uma intervenção no espaço público, não é geralmente suficiente. É, pois, necessário fazer restauro urbano integrado, disciplina recente que congrega saberes de várias áreas: história da cidade e do urbanismo; restauro arquitectónico; planeamento urbano; sociologia, economia, turismo, mobilidade, etc."
in: CONSERVAÇÃO URBANA E TERRITORIAL INTEGRADA - Reflexões sobre salvaguarda, reabilitação e gestão de centros históricos em Portugal. Livros Hosrizonte, Lisboa, 2009.
A CONSERVAÇÃO URBANA E TERRITORIAL INTEGRADA
DEFINIÇÃO E ÂMBITO, COMPONENTES DE FORMAÇÃO E SITUAÇÃO EM PORTUGAL
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Outros lugares
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Nuvens correndo num rio
Nuvens correndo num rio
Quem sabe onde vão parar?
Fantasma do meu navio
Não corras, vai devagar!
Vais por caminhos de bruma
Que são caminhos de olvido.
Não queiras, ó meu navio,
Ser um navio perdido.
Sonhos içados ao vento
Querem estrelas varejar!
Velas do meu pensamento
Aonde me quereis levar?
Não corras, ó meu navio
Navega mais devagar,
Que nuvens correndo em rio,
Quem sabe onde vão parar?
Que este destino em que venho
É uma troça tão triste;
Um navio que não tenho
Num rio que não existe.
Natália Correia
PATRIMÓNIO - Monumentos Nacionais
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CONVENTO DO VARATOJO
"Mandado edificar pelo rei D. Afonso V, no século XV, é um edifício compósito, resultante de sucessivas épocas de construção. Destacam-se o portal gótico, o claustro quatrocentista, o portal manuelino do panteão dos alcaides de Torres Vedras, a igreja com azulejos e talha dourada, entre muitos outros motivos de interesse. Ainda hoje é morada de frades franciscanos. Monumento Nacional desde 1910."
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Um livro de grande interesse. Portanto, a ler.
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Da contra-capa:
Esta obra destaca-se claramente de tudo o que já foi publicado em Portugal sobre o tema da reabilitação urbana, não só pelo seu carácter assumidamente interdisciplinar e equidistante, mas também por se desviar do discurso laudatório tão habitual em publicações camarárias ou da responsabilidade dos próprios autores de projectos de reabilitação. Estamos perante um conjunto de análises críticas a diversas intervenções levadas a cabo nas últimas três décadas em centros históricos portugueses, com especial ênfase nos casos do Porto e de Gaia. Depois de apontarem os pontos fortes e os pontos fracos dessas intervenções, assim como os resultados obtidos e alguns dos seus efeitos colaterais, os autores propõem novas perspectivas sobre a reabilitação integrada de centros históricos, constituindo-se assim a primeira obra publicada em Portugal dentro do espírito da Integrated Territorial and Urban Conservation do ICCROM.
Francisco Queiroz
Licenciado (1994), Mestre (1997) e Doutor (2003) em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Docente do Curso de Arquitectura da Escola Superior Artística do Porto, onde tem a seu cargo a disciplina de História do Urbanismo em Portugal.
Ana Margarida Portela
Licenciada em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2001) e Mestre em História da Arte em Portugal pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003). Aguarda provas de Doutoramento em História da Arte na mesma Faculdade, como bolseira da FCT.
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Da revista PEDRA & CAL nº 46, de Junho 2010:
Os Monumentos Nacionais não têm de ser todos pousadas e hotéis sem charme
"Como se estivéssemos no grau zero de uma (desadequada) política de gestão patrimonial passa-se, perversa mas constantemente, para a opinião pública a ideia de que todos os fortes, antigos conventos e palácios têm de ser hotéis de charme ou (desmesuradas) pousadas.
A conversão de monumentos nacionais em pousadas (e agora os "hotéis de charme" da moda) foi uma das acções historicamente mais destrutivas -dos valores estéticos, arquitectónicos e documentais - e socialmente estigmatizadas da nossa tradição restauradora. Essa história negra deve ser relembrada agora que se multiplicam as vendas, ou cedências, de monumentos nacionais na posse do Estado para usos privados com fins lucrativos que excluem, ou limitam fortemente, a fruição e o acesso de todos os cidadãos a estes recursos culturais e identitários (de todos). Muitas vezes, o Estado gasta, na conservação e no restauro destes monumentos, recursos financeiros (públicos) extremamente significativos, com verbas próprias ou europeias, e recorre "por urgência do interesse público" a adjudicações ou cedências por concurso limitado (que favorecem sempre os mesmos grupos).
Tenho na minha frente um recorte do Jornal Público (de 25 de Maio de 2010) que questiona o negócio da cedência a privados, e por setenta e cinco anos, do Convento da Graça em Lisboa (monumento nacional e do Estado), mais uma vez para um novo hotel, e porque essa cedência impede o usufruto público. No mesmo jornal, o melhor e mais premiado arquitecto do mundo, o arquitecto Alvaro Siza Vieira, declara ter sido afastado pela ENATUR do projecto de conversão da Fortaleza de Peniche para pousada, por não concordar com uma duplicação do número de quartos originalmente previstos, decisão que implicaria o aumento do número de pisos da unidade a construir, ultrapassando a volumetria do forte, numa "monstruosidade" que afectaria decisivamente a leitura e apresentação final do monumento (que é nacional, sublinhe-se). Alvaro Siza alertava para as fortes pressões que iremos assistir para aumentar a volumetria deste projecto e para privatizar espaços com destino público. E é sempre assim, sublinhe-se, basta estudar outros processos similares para rapidamente percebermos como - aceitando acriticamente estas pressões -rapidamente se passa dos cinquenta para os setenta quartos previstos, pela "bondade" de não estragar, e se termina nos cem quartos, agora sempre exigidos pela "moderna economia hoteleira". Siza - como diversos especialistas em conservação já o disseram também - declara, ainda, que a sua conversão para hotel não lhe parece ser o melhor destino a dar à Fortaleza de Peniche, pela dificuldade de compatibilizar o programa exigente destas novas funções (um hotel exige a instalação de equipamentos complexos, de verdadeiras pequenas fábricas para tratamento de roupas ou produção de comidas) com a preservação das memórias histórica e política essenciais deste espaço. A defesa do interesse público nestes processos de gestão patrimonial fracassa constantemente. Lembro-me do mal sucedido projecto de restauro do Santuário da Nossa Senhora do Cabo, um projecto sensível e atento da ex-DGEMN e com a participação do arquitecto Vítor Mestre, que fracassou porque o promitente gestor do espaço (uma empresa pública criada para maximizar o interesse público) não aceita incluir esta essencial vocação pública do santuário (que existe devido a uma extraordinária manifestação de celebração religiosa e popular) pretendendo-o para usos mais encerrados, exclusivos e privados.
Para nossa desgraça, os nossos gestores do património nacional esquecem, constantemente, os objectivos essenciais das políticas públicas para a conservação de monumentos (sobretudo os "nacionais", i.e., de que: - o direito do usufruto público deve prevalecer sobre os interesses privados (como se defende desde a Carta de Atenas do Restauro de 1931);
- os programas de utilização dos monumentos devem ser determinados pela organização e estrutura dos espaços e das construções históricas e não pelo seu inverso; i.e., é eticamente inadmissível obrigar os monumentos históricos a alterações profundas, que destroem elementos materiais autênticos e significantes para alcançar os níveis de desempenho e de uso desejáveis pelos utilizadores das confortabilíssimas "pousadas" (como estabeleceu a Carta de Veneza do Restauro, de 1964). O maior problema que enfrenta, hoje, o património português não é um problema de projecto de Arquitectura - de bons ou maus projectos - mas resulta da imposição de maus programas, de usos desadequados e, sobretudo, de uma danosa e incrível mediocridade na gestão da coisa e do interesse público. Consulte-se a recente tese de doutoramento de José Maria Lobo de Carvalho (1) para se perceber como é desadequada, em termos de conservação, e economicamente insustentável a nossa actual política patrimonial, e de como outras nações, há muito, conseguiram modelos mais adequados - como a Grã-Bretanha, que entrega a estruturas privadas (a English Heritage) a gestão dos seus monumentos nacionais, impondo-lhes o dever de salvaguardar o interesse público e o acesso de todos, obtendo excelentes resultados económicos e sem a absurda necessidade de converter TODOS os monumentos em POUSADAS (ou em hotéis de charme sem o menor charme... cultural)!"
JOSÉ AGUIAR, Arquitecto
(Pedra & Cal n.° 46 Abril. Maio . Junho 2010)
NOTA
1 José Maria da Cunha Rego Lobo de Carvalho, Conservação do Património. Políticas de sustentabilidade económica (orientação do Professor Catedrático José Lamas). Lisboa: IST, 2009.
Um blogue a visitar:
http://aespumadaspalavras.blogspot.com/
sábado, 25 de setembro de 2010
Tal a Vida
http://www.youtube.com/watch?v=NPLLeJKStAo&feature=player_embedded
This video provides a rare close-up bird’s-eye view of cloud streets, which are created when convection currents cut low-lying cumulus into long, clean strips. According to the video narration, these clouds floated just over the sea surface, stood 300 meters tall and stretched for over 100 kilometers.
cloud streets
http://en.wikipedia.org/wiki/Cloud_street
Em declive trepamos pela nuvem
dos dias — em declive circundamos
obscuros cristais
transportados no sangue — e somos e
levantamos
as cores primitivas da fonte a luz
que resvala corpo a corpo
a semente sazonada de quem roubou
o fogo — em declive canto
a ternura diluída a luz reflectida
neste muro onde vejo
a secreção da fala onde ouço
um caminho de metáforas: tal
a vida —
Casimiro de Brito, em "Negação da Morte"
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjgyub8bl3uUEi9_4uJPmOu1Wp9rs3Q9BW0mtj6PK9jDu80HhabwaOUzofKwb7SdFIdei_v0UY3WecaITiit6T6NU-WSJh-DRdoA0x5LZg6seO_c-rJq0lUmSkNh3quEmVDBBNIGxm1ELuz/s1600/Bento+Domingues+A+profundidade+dos+sexos.jpg
Texto de Bento Domingues no "Público" de 19 de Setembro de 2010.
"Ensaio sobre a Cegueira": é preciso que todos vejam para além do visível...