terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Ode à cebola

cebola7.jpg


Cebola

Luminosa redoma

pétala a pétala

cresceu a tua formosura

escamas de cristal te acrescentaram

e no segredo da terra escura

se foi arredondando o teu ventre de orvalho.

Sob a terra

foi o milagre

e quando apareceu

o teu rude caule verde

e nasceram as tuas folhas como espadas na horta,

a terra acumulou o seu poderio

mostrando a tua nua transparência,

e como em Afrodite o mar remoto

duplicou a magnólia

levantando os seus seios,

a terraassim te fez

cebola

clara como um planeta

a reluzir,

constelação constante,

redonda rosa de água,

sobre

a mesa

das gentes pobres.



Generosa

desfazes

o teu globo de frescura

na consumação

fervente da frigideira

e os estilhaços de cristal

no calor inflamado do azeite

transformam-se em frisadas plumas de ouro.



Também recordarei como fecunda

a tua influência, o amor, na salada

e parece que o céu contribui

dando-te fina forma de granizo

a celebrar a tua claridade picada

sobre os hemisférios de um tomate.

Mas ao alcance

das mãos do povo

regada com azeite

polvilhada

com um pouco de sal,

matas a fome

do jornaleiro no seu duro caminho.

Estrela dos pobres,

fada madrinha

envolvida em delicado

papel, sais do chão

eterna, intacta, pura

como semente de um astro

e ao cortar-te

a faca na cozinha

sobe a única

lágrima sem pena.

Fizeste-nos chorar sem nos afligir.



Eu tudo o que existe celebrei, cebola

mas para mim és

mais formosa que uma ave

de penas radiosas

és para os meus olhos

globo celeste, taça de platina

baile imóvel

de nívea anémona



e vive a fragância da Terra

na tua natureza cristalina.







Pablo Neruda



http://www.eldigoras.com/eom03/2004/2/30neruda1918.htm

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