"Na véspera de não partir nunca Ao menos não há que arrumar malas Nem que fazer planos em papel... Todos os dias é véspera de não partir nunca" Álvaro de Campos
sábado, 26 de março de 2011
"O silêncio do Confidente"
"O silêncio do Confidente tornou-se tão angustioso na nossa época, que preferem as criaturas ignorá-lo, a ter de o suportar. Aquilo que é mais difícil de perdoar a Deus é a sua ausência de qualidades, a sua densidade ética em tão alto grau, que se torna em silêncio.Tudo são pretextos para fugir a esse silêncio, tudo são campanhas vãs para o ocultar. A prosperidade das nações ou a influência dela, a confiança nos grandes recursos da terra, esgotáveis de resto, a quantofrenia dos pseudo-sociólogos e a rapidez com que um auditório recebe tanto o que é apenas escândalo como o que é informação de uma coisa profunda, são a causa de um humanismo empobrecido, duma desenvoltura sem experiência, duma curiosidade sem meditação."
(...)
in Eternos Guerreiros, A. B. L
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Sociedade "e" indivíduo
O indivíduo que depende do social
Julgo que todos sabemos quanto amamos distinguir as "pessoas" da "sociedade", o eu do nós. Regra geral achamos que a sociedade é um todo indiviso do qual, porém, nos podemos destacar sempre que quisermos. Parece tudo uma questão de entrar ou de sair de casa, tudo parece resumir-se a uma simples operação de adição ou de subtracção, desde que assumamos, como assumimos, que estamos diante de duas coisas: a sociedade e (copulativa de fronteira) o indivíduo.
Quando vou para o meu quarto e fecho a porta, acredito que me isolei realmente da sociedade. Toda a minha estrutura mental e físico-espacial me diz que, realmente, sensorialmente, eu me isolei. Estou dentro do meu quarto, em paz, em silêncio, e lá fora está a sociedade, estão os outros. Sinto-me orgulhosamente apenas eu-mesmo. Os deuses criaram indivíduos irredutíveis, assim penso.
Todavia, eu apenas me posso isolar socialmente, na sociedade. Mesmo quando julgo estar isolado, continuo totalmente mergulhado na sociedade da qual julgo ter-me afastado. Todas as minhas referências, tudo o que manipulo, tudo o que sou pertence a essa sociedade. Nenhum tijolo de uma casa se compreende fora da constituição da casa.
Por outras palavras, apenas posso ser indivíduo se for sociedade. O Sr. Julai do Bairro Polana Caniço A é, intrinsecamente, um dos "moradores" desse bairro, uma das partes integrais do todo de moradores.
O social que depende do indivíduo
Mas, por outro lado, acreditamos muitos de nós que a sociedade é um saco cheio de batatas literalmente iguais, que os indivíduos são aí, apenas, um epifenómeno do social.
Termos como população, sociedade, sociedade civil, multidão, moradores, populares, etc., são, a esse respeito, exemplares. Estes termos reenviam para um comportamento zoológico, igual, mimético, unívoco, sem vírgulas, apenas com um ponto final.
A sociologia de questionário, a quantofrenia, a estatística que evacua o pensamento, constituem a formulação científica (ou assim suposta) da crença de uma sociedade sem indivíduos. Na sua busca de disciplina do diferente, eles remetem para uma entidade igual o que não é, de facto, igual. Nem podia ser. Os deuses não têm essa palavra no seu dicionário.
Ora, perdoem o truísmo, não há nenhuma sociedade que não seja composta por indivíduos diferentes. Nenhuma casa faz sentido se não for percebida pelo esforço "individual" de cada tijolo.
Não é possível uma sociedade se, intersubjectivamente, os indivíduos não se sentirem sociais, seja qual for o tipo de sociedade ou de grupo que tivermos em vista.
Não importam a densidade, a extensão, a simetria de estilos de vida, o padrão de privações do Bairro Polana Caniço A: este bairro só tem sentido enquanto entidade plural, social, se o Sr. Julai, o Sr. Massamba, a Sra. Albertina e tantos outros se sentirem moradores diferentes, "eles-mesmo".
Carlos Serra
via
http://oficinadesociologia.blogspot.com/
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