segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Chico Buarque - Agora Falando Sério



«Agora falando sério / Eu queria não cantar / A cantiga bonita / Que se acredita / Que o mal espanta / Dou um chute no lirismo / Um pega no cachorro / E um tiro no sabiá / Dou um fora no violino/ Faço a mala e corro / Pra não ver banda passar». Assim começa aquela que é talvez a minha canção favorita de Chico Buarque, incluída no álbum «Chico Buarque de Hollanda – nº 4» (1970). [...]


O uso da expressão «agora falando sério» não tenta interromper o curso lúdico de uma conversa, interrompe-o de facto, destrói toda a leveza. Mas ao contrário do que é costume, quem diz isso não quer substituir uma conversa por outra, com outro tom, aqui ele quer mesmo acabar com a conversa, prefere não falar disso, porque falar é um logro, uma distracção de um «sono difícil», de uma vigília sofrida: «Agora falando sério / Preferia não falar / Nada que distraísse / O sono difícil / Como acalanto / Eu quero fazer silêncio / Um silêncio tão doente / Do vizinho reclamar / E chamar polícia e médico / E o síndico do meu tédio / Pedindo pra eu cantar». Que verso extraordinário numa canção: «Eu quero fazer silêncio». Uma espécie de «I would prefer not to» do escrivão Bartleby, aquele que «preferia não o fazer». Chico Buarque preferia não cantar, gostava de instaurar um silêncio «doente», o silêncio adequado a uma época doente. Mas ele é o «golden boy», a antiga «unanimidade nacional», e todos o querem ouvir cantar, até os polícias, de quem dirá um dia que o vigiavam mas que pediam autógrafos. A canção como expressão tornou-se a canção como representação, como circo indigno, e isso ele prefere não fazer, embora tenha que o fazer: «Agora falando sério / Eu queria não cantar / Falando sério», as pessoas pensam que o «agora a sério» é uma brincadeira, mas este texto quebra a ilusão artística, eu não quero cantar, canto porque é tudo o que posso fazer, mas cantar não serve de nada, há momentos em que é mais sustento do que poesia. Mas desse impasse surge esta poesia, feita de uma recusa que se resignou a não poder recusar.


Tantas vezes ouvi esta canção em dias opacos, tempos em que não há nada a dizer, apesar de haver sempre quem queira que digamos alguma coisa: «Agora falando sério / Eu queria não falar /Falando sério». Esperar que os outros admitam isso, aceitem, compreendam. Quero alguma coisa e o que quero é não falar. Agora a sério.
via
http://a-leiseca.blogspot.com/

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