"Na véspera de não partir nunca Ao menos não há que arrumar malas Nem que fazer planos em papel... Todos os dias é véspera de não partir nunca" Álvaro de Campos
sexta-feira, 2 de agosto de 2013
JOSÉ AFONSO
Em louvor da desordem.
Exaltando
o vinho e os seus fermentos.
Em louvor dos motivos
e em louvor
da pura insensatez,
nos sentaremos nós ouvindo este homem,
atravessados pelo seu galope.
Como a uma criança, aconchegamos tudo aquilo que ele amou.
Tudo o que é térreo
e sujo
e sorridente,
e oferece o rosto
de chapão à luz.
Coisas que nos deslizam sob a pele disparando calor.
Regendo as linhas
fundamentais da vida.
Há um nó de caminhos onde este homem
se pôs a esconder pólvora e sementes,
calendários rurais.
Dele não pode falar-se sem que se ouça
a espantosa alegria.
Sem que de novo bata pelos sítios
o eco de um tambor.
É bem possível
que a canção vele, oculta nas cidades.
Que se incline nos nossos pensamentos
como um espelho lunar,
duro e pacífico.
E sob o seu olhar nos desloquemos
por entre a turbulência.
E dela venha um íntimo sentido
e o seu ardor nos saiba
conduzir.
Pois deste homem ficou o ofício.
Os meios.
Sabemos de que modo se levantam
as pedras sobre as pedras.
Sabemos de que modo
as aguçar.
Existe ainda
um cordão de linguagens.
Vibra teimosamente o ar, movido por sopros
e até mesmo
por fadigas.
E a sua voz empurra e alimenta essas circulações.
É o vento do sol
que permanece.
Hélia Correia
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